quarta-feira, 4 de abril de 2012

A força alimentada pela vontade de viver






























A obra de Frida Kahlo é dotada de uma força especial. Seguramente, o fato da artista ter se acidentado na juventude, (ela possuía apenas 18 anos), foi determinante para o surgimento dessa força. Em meio ao sofrimento físico e espiritual, suas obras refletem todas as emoções de sua alma inquieta. 

O acidente ocorrido em 17 de set. de 1925, se deu quando o ônibus em que ela estava se chocou com um bonde. Ela o registra da seguinte forma "não foi violento, mas surdo, lento, ferindo todo mundo. Sobretudo a mim [...] O choque nos jogou para frente e o corrimão me transpassou como a espada transpassa o touro. [...] Perdi minha virgindade, meu rim amoleceu, não podia mais urinar, porém, o que mais me incomodava era a coluna vertebral."

Frida ficou literalmente em pedaços. As fraturas da coluna vertebral e da bacia, a perfuração do abdômen e da vagina, e as 11 fraturas da perna direita, fizeram os médicos pensar que ela morreria na mesa de operações ou das sequelas. Ao sobreviver, ela deixou claro que sua capacidade de resistência à dor fora do normal,  esteve alimentada por uma vontade de viver excepcional. 

Um mês depois, ao sair do hospital, seus pais providenciam uma cama com dossel (com um espelhinho pendurado), mandam fabricar um cavalete e lhe dão de presente uma caixa de tinta. Não podendo continuar com os estudos, ela permanece reclusa com o espelho, que capta a si mesma e lhe proporciona uma única aprendizagem: a de seu próprio ser. 

Em seu período de convalescênça, surgiram confrontos com sua própria identidade, através de questionamentos que tocavam a própria essência da arte: ilusão, desdobramentos e relações com a morte. Muito mais que autobiográfico, os retratos captam imagens do seu interior, e revelam uma mulher que se lançou em uma busca existencial, e em uma busca estética. 

Com apenas 20 anos, e uma sede enorme de viver para compensar os meses de imobilidade, Frida mergulha na luta comunista, e adota um ideal revolucionário que lhe proporciona uma nova consciência de sua própria feminilidade. Toma como referencial de mulher livre de corpo e espírito a fotógrafa-repórter italiana Tina Modotti, e é em sua casa que Frida encontra-se com o seu grande amor e obsessão, Diego Rivera. 


O casamento com pintor que possuía o dobro de sua idade, mais de 1,80 de altura e quase 150 quilos, foi apontado com grande amargura por sua família que o descreveu como: "A união de um elefante como uma pomba". [Frida e Diego Rivera]. Mais de dez anos após o acidente, ela pinta o seu quadro mais surrealista: O que a água me deu

A contradição está em: o que parece um sonho, ou um devaneio nessa obra é a sua mais pura realidade. Nua, crua, profunda e selvagem. Como vocês podem ver na figura abaixo, todos os elementos de sua vida surgem imersos entre suas pernas, em uma cosmogonia aquática. Diante do fundo branco da banheira, os pés de Frida, com as unhas pintadas de vermelho e duplicados pelo espelho da água, tornam mais chocante a deformação e a cicatriz aberta de seu pé direito. 

Abaixo e à esquerda, o vestido Tehuana que representa sua nacionalidade e sua feminilidade flutua ao lado de sua própria imagem estrangulada. A corda que a sufoca, se liga ao punho de um jovem que evoca o Cristo, (recostado sobre um vulcão que emerge um fálico Empire State Building). Desse universo marinho, entre cipós e plantas de água, surgem em trajes de casamento as figuras tranquilas de seus pais. A trágica experiencia do aborto e suas aventuras sexuais também estão presentes na tela.